A intervenção militar decretada pelo presidente Michel Temer no Rio de Janeiro foi planejada como uma cartada política transvestida de uma tentativa de frear a violência no Rio de Janeiro. Na época, ainda em fevereiro, sem conseguir aprovar a reforma da Previdência, e em meio a um carnaval violento na cidade maravilhosa, o emedebista anunciou a ação, que recebeu uma avaliação positiva nos primeiros levantamentos internos do Planalto. A ideia de colocar militares nas ruas, combinada com a criação do Ministério da Segurança Pública, seria uma das plataformas de campanha para uma possível reeleição. Agora, com a saída de cena do presidente das urnas, resta o vácuo a ser ocupado por pré-candidatos.
Os principais candidatos à Presidência que estiveram na sabatina, realizada pelo Correio, na quarta-feira, contaram como pensam em enfrentar o problema. Quem assumir o Palácio do Planalto deverá traçar estratégias de combate à segurança pública, a serem implementadas a partir de janeiro de 2019. Dar ao Exército a supervisão do Ministério da Segurança como promessa de conter a violência divide a opinião não só dos postulantes, mas de especialistas.
Na quarta-feira, o deputado e pré-candidato Jair Bolsonaro (PSL), que defende a flexibilização do porte de armas do cidadão comum, fez uma visita ao comandante-geral do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Depois do encontro, a Força enviou comunicado à imprensa dizendo que haveria uma aproximação com os demais candidatos e que a ideia era debater projetos envolvendo a Segurança Pública do país com os possíveis governantes.
Para o ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e professor de sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Arthur Trindade, a questão não faz parte do papel do Exército. “Eles são responsáveis por defender as fronteiras, têm controle sobre as armas no país, mas, daí a puxar para si a responsabilidade de falar sobre as questões de segurança no Brasil existe uma distância enorme.”
Trindade afirma que a reação do Centro de Comunicação do Exército ao responder sobre a visita de Bolsonaro a Villas Bôas é uma tentativa de sair da saia justa criada pelo encontro. “O nome do Bolsonaro está ligado às Forças Armadas ainda que nem todo mundo goste disso. O Exército é uma instituição de Estado, não pode ficar grudado com um único candidato”, completa.
Além de Bolsonaro, o tucano Geraldo Alckmin (PSDB) se encontrou com o interventor do Rio de Janeiro, general Braga Netto. Para o pré-candidato, a criação do ministério foi importante, mas só ele não resolve o problema. Por isso, como promessa para o ano que vem, Alckmin pretende criar uma agência de segurança unindo Forças Armadas, política e tecnologia, além de prometer uma guarda nacional permanente. “A Força Nacional, como está, é o mesmo que retirar de um santo para investir em outro”, justifica.
Para combater a violência, o senador Álvaro Dias (Podemos), assim como Bolsonaro, levanta a bandeira do armamento. Durante a sabatina, ressaltou o desejo de 63,9% da população na venda de armas do país. No entanto, ressalta a responsabilidade do Estado em oferecer segurança à população e implementar políticas efetivas de combate à violência. “Como democrata, devo respeitar a opinião pública, que é soberana. O brasileiro quer porte de armas e temos que possibilitar isso. É um direito do cidadão, de legítima defesa”, pontua.
Sistema
Visto como um forte candidato para angariar eleitores para além da esquerda, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) avalia que a intervenção é “demagogia”, para conter o medo da população e impor um aparato. Como forma de reverter o alto índice de criminalidade, Ciro é a favor da criação de um sistema nacional de segurança unificado. Já para o empresário Flávio Rocha (PRB), a solução é vincular a segurança pública à Defesa.
Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM) quer renovar o sistema policial no país. Acredita em uma nova polícia integrada, em que, desde a academia, a Civil e a Militar comecem a trabalhar integradamente, para evitar criar “dificuldade no trabalho”. Maia pretende ainda construir presídios para separar os chefes de facções criminosas do preso comum.
Na segunda tentativa de alcançar a Presidência, Guilherme Afif Domingos (PSD) quer cancelar o Ministério da Defesa e unificar o sistema de segurança. No entanto, pretende transferir a Polícia Civil e a Polícia Federal ao Judiciário a fim de que cada vertente tenha um juiz para ocupar as delegacias. “Dessa maneira acabaria com o inquérito. A PM é da repressão e estará distribuída entre o estado e o município, criando um sistema único de segurança.”
Confirmada como cabeça de chapa do PCdoB, Manuela D’Ávila acredita que o país precisa escolher qual crime quer combater. Se eleita, tratará de maneira mais ostensiva os homicídios e os crimes sexuais. “Precisamos construir uma política de segurança pública. Embora a classe média tenha sensação de pânico, os dados mostram que quem morre mesmo são os povos das comunidades carentes, sobretudo os jovens negros”, declara.
A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede) defende a criação de políticas públicas para os mais vulneráveis. Para a pré-candidata, a violência não pode ser combatida com agressividade. “Não é distribuindo armas que resolveremos o problema de insegurança. Por mais investimento no treinamento contínuo de policiais, ciclo total de investigação das polícias.” Como uma das propostas, ela pretende investir em atividades culturais em comunidades para acabar a disputa dos jovens com o tráfico de drogas.
Prisão
Como uma das medidas mais destoantes entre as iniciativas dos postulantes à Presidência, o ex-presidente do BNDES, Paulo Rabello (PSC), defende a prisão perpétua para homicídio doloso. “Tem que ter pena suficiente para que se saiba que o estado não está de brincadeira. Não se pode perder tempo com indivíduo violento”, completa. O economista quer estabelecer ainda o trabalho forçado na prisão. “O indivíduo tem que trabalhar para honrar a família da vítima e partilhar os recursos do trabalho na prisão. O dinheiro hoje sai para o ladrão. É um desperdício.”
O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (MDB), escolhido para disputar as eleições no lugar de Temer, quer investir na contratação de efetivo policial e aumentar o investimento em equipamentos de inteligência. Em declarações ao jornal O Estado de São Paulo, afirmou que o direcionamento de recursos para a intervenção federal não ameaçará as regras fiscais neste ano. Ele defende a medida estabelecida pelo presidente.
Segundo o professor e especialista em segurança pública Nelson Gonçalves, não basta colocar militares nas ruas e conceder à população armas de fogo para fazerem a própria justiça. A violência e a criminalidade no país são questões sistêmicas e históricas, que pedem políticas públicas estratégicas. “Podem colocar um milhão de policiais no Rio de Janeiro que não vai resolver. O que está sendo feito conjuntamente para que o cenário seja amenizado?”, pergunta.
Para Gonçalves, a criação da pasta da Segurança é algo antigo, porque o Brasil não havia apresentado qualquer política pública de segurança efetiva. Houve duas propostas que, apesar de pensadas, nunca saíram do papel. “O Plano Nacional de Segurança Pública do Fernando Henrique Cardoso e, depois, o Projeto de Segurança Pública para o Brasil, de Lula, tinham a ideia de uma unificação do sistema de segurança. Mas não podem ser consideradas políticas públicas.”
“Os militares são responsáveis por defender as fronteiras, têm controle sobre as armas, mas, daí a puxar para si a responsabilidade de falar sobre as questões de segurança no Brasil, existe uma distância enorme” Arthur Trindade, ex-secretário de Segurança do DF
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