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É muito difícil conseguir vagas de jovem aprendiz no Brasil


A lei de aprendizagem chega à maioridade em 2018 e foi regulamentada há 13 anos, mas está longe de ser cumprida: 98,5% das empresas de médio e grande porte desrespeitam a legislação que determina a contratação de pessoas de 14 a 24 anos nessa modalidade. Assim, conseguir uma vaga, que poderia ser o primeiro contato com o mercado de trabalho, se torna um grande desafio

Desde 2005, quando a legislação determinou a obrigatoriedade de empresas de médio e grande portes terem jovens aprendizes em seus quadros (numa cota que varia de 5% a 15%), 3,2 milhões de pessoas de 14 a 24 anos foram admitidas para trabalhar nessa modalidade. Em 2017, o país registrou 386,7 mil contratações — apenas 18 a mais do que no fim de 2016. Os números, à primeira vista, podem parecer altos, mas revelam o descumprimento das normas: se todas as companhias seguissem as determinações legais, pelo menos 939,7 mil vagas teriam sido preenchidas no ano passado, segundo o Ministério do Trabalho. Isso quer dizer que o Brasil efetivou apenas 41,16% do potencial. O Distrito Federal satisfaz percentual ainda menor que a média nacional: 40,46% — em números totais, as firmas brasilienses deveriam ter contratado 18,6 mil jovens aprendizes, mas admitiram apenas 7,5 mil. São Paulo foi a unidade da Federação com o maior número de efetivações do tipo em 2017 (108.300), mesmo assim, atendeu a apenas 35% do potencial.

No outro extremo, Roraima foi o estado com menor quantidade de admissões (775), mas foi também o que mais cumpriu o potencial de colocação, com percentual de 64,80% (saiba mais na página 5). Os índices de empregabilidade de pessoas com deficiência em vagas do tipo são bastante baixos: apenas 27,6 mil foram contratadas entre 2005 e 2017; no ano passado, as instituições particulares do país admitiram apenas 3,1 mil aprendizes com esse perfil. O desrespeito aos quantitativos mínimos estabelecidos na legislação é tão grave que, sem a ação de fiscalização do Ministério do Trabalho, o montante de contratações teria sido ainda menor no último ano: das 386,7 mil admissões realizadas, 111,1 mil só foram feitas a partir da ação de auditores-fiscais, o que representa 28,7% do total. Para Claudio Rodrigo de Oliveira, gerente regional do Centro-Oeste do Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), a vigilância é insuficiente. “Não há atuação fiscal o bastante para autuar todas as empresas, então é preciso trabalhar com a sensibilização.”

Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2016 revelou que apenas 1,5% das organizações cumpriam o mínimo exigido pela lei. Afinal, por que existe resistência por parte dos empregadores para colocar jovens aprendizes nas equipes, tanto que preferem estar sujeitos a multas a fazer contratações do tipo? De acordo com Shirlaine Maciel Macedo, coordenadora do Ensino Social Profissionalizante (Espro) em Brasília, muitas companhias não obedecem à cota, alegando falta de espaço. “Há casos em que a firma teria de contratar mais de 100 pessoas para cumprir a lei e, aí, dizem que não conseguem”, aponta. “No entanto, existem alternativas, como a cota social, que é fazer a contratação e disponibilizar esse jovem para outra empresa ou órgão público”, ensina. O grande problema de fato é que os recrutadores não entendem o programa como uma oportunidade. De acordo com Tatiane da Silva, coordenadora-geral substituta de Aprendizagem e Estágio do Ministério do Trabalho, o maior desafio da pasta é exatamente conseguir conscientizar as empresas para enxergarem o aprendiz como investimento. “Os empregadores ainda veem isso só como uma lei a cumprir, mas esse jovem pode ser moldado de acordo com os padrões da firma para continuar lá”, diz.

O cenário é bem diferente em outros países. “Diversos lugares no mundo têm a aprendizagem. Nos Estados Unidos e na Alemanha, por exemplo, o empresário gosta da ideia porque vê o formato como algo que dará retorno”, compara. Faz-se necessário entender que o vínculo não é benéfico apenas para o jovem: as companhias também saem ganhando, como explica Shirlaine. “A empresa recebe um novo talento e pode moldá-lo para que ele permaneça lá”, destaca. “A vantagem para o estudante é poder ingressar no mercado. O contrato de trabalho é de dois anos, há anotação na carteira, com contagem na Previdência”, destaca Valéria Sant’anna, advogada pós-graduada em direito civil e processo civil e pesquisadora jurídica com cerca de 15 livros publicados. Há ainda outros estímulos para quem contrata. “No tocante aos benefícios fiscais, há redução no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e não há aviso-prévio indenizado. Esses são incentivos para que se adote a lei”, completa Claudio Rodrigo.

Com 98,5% das empresas de médio e grande portes descumprindo a cota de contratação de jovens aprendizes no país, pessoas que atendem a faixa etária e os requisitos do programa e desejam uma oportunidade entendem que é muito difícil conseguir uma vaga. Cursando o 1° ano do ensino médio no Centro Educacional 2 de Taguatinga, Pedro Henrique da Silva, 17 anos, está em busca de uma chance. “Eu fui aprendiz por um ano no supermercado Supercei, mas o contrato acabou”, lamenta. Lá o jovem ajudava o RH da empresa. “Era bem legal. Esse tipo de experiência é boa para qualquer carreira que eu vá seguir no futuro.” Pedro quer fazer faculdade de direito e está tentando chamar a atenção dos empregadores. “Fiz entrevistas e dizem que vão ligar, mas não retornam.” A mãe dele, Joseane Francisca da Silva, 33 anos, também distribui currículos do filho. Funcionária da limpeza de uma empresa terceirizada, ela critica o fato de as firmas descumprirem a lei e cita benefícios do programa.

“A aprendizagem é uma forma de os jovens não ficarem na rua e de terem condições de adquirir o que desejam, como se vestir bem, ter telefone, calçado... O trabalho também faz com que eles saibam dar valor às coisas e serem mais responsáveis”, acrescenta. Outra interessada em uma oportunidade que não tem conseguido sucesso é Maria Eduarda Gonçalves, 16 anos. “Acho que concorrência é muito grande”, diz. A estudante do 1° ano do ensino médio do Centro Educacional 2 do Guará está cheia de planos, quer estudar relações internacionais e fazer intercâmbio no Canadá. Para isso, está se preparando com aulas de inglês em uma cooperativa. Para Maria Eduarda, essa modalidade de ingresso no mercado de trabalho abre portas. “Quero ser aprendiz para ter uma experiência de trabalho e também um dinheirinho a mais”, conta. As contratações da modalidade são feitas, na maioria dos casos, por meio de entidades profissionalizantes.

Shirlaine Maciel Macedo, do Espro Brasília, explica que essas instituições funcionam como escola em que o jovem terá a parte teórica da aprendizagem. “Entramos como qualificadores. Na empresa, o jovem será acompanhado por um tutor, que ensinará as atividades a serem desempenhadas e, uma vez por semana, ele vem para a entidade receber um curso”, diz. Assim, a carga é 70% prática e 30% teórica. As capacitações podem ensinar conteúdos dos mais diversos, incluindo comportamento profissional e conhecimentos específicos da área de atuação do aprendiz. “A entidade ainda acompanha o desenvolvimento deles na empresa, na escola e na família, com uma assistente social”, acrescenta. O lado teórico é uma das principais diferenças em comparação com um estágio. Outra discrepância são os direitos trabalhistas: os aprendizes têm carteira de trabalho assinada. Para Shirlaine, uma das principais vantagens para quem deseja uma dessas vagas é a experiência adquirida.

“A ideia é a empregabilidade. Muitas vezes, pessoas novas não são bem-sucedidas no mercado por não terem registro na carteira, então isso facilita a inserção profissional depois”, explica a especialista em gestão estratégica de pessoas. “A aprendizagem é a porta de entrada para o mercado de trabalho. É o primeiro emprego e esse jovem tem uma proteção maior prevista na legislação”, completa o administrador Claudio Rodrigo de Oliveira, do Ciee. “Todo jovem pode participar, mas é preconizado um atendimento a quem mais precisa, que são os que estão em vulnerabilidade social. Existem programas para adolescentes em conflito com a lei e empresas que adotam o recorte social, como Banco do Brasil e Caixa Econômica, que impõe critérios como renda familiar de até 1,5 salário mínimo, estudar em escola pública e participar de algum programa social.” Em geral, também existe priorização de quem tem menos de 18 anos. “Porém, em ambientes insalubres, como hospitais e postos de gasolina, só os maiores de idade podem trabalhar”, completa.

Entenda as normas
A Lei nº 10.097/2000, que cria o programa jovem aprendiz (para pessoas de 14 a 24 anos ou pessoas com deficiência sem limite de idade), veio para minimizar o problema de desemprego juvenil, além de evitar que crianças e adolescentes trabalhem irregularmente. Apesar de ter sido publicada há 18 anos, a legislação só começou a valer cinco anos depois, com a regulamentação do Decreto nº 5.598/2005, o qual estabeleceu percentuais mínimos de contratações por empresas de médio e de grande porte, variando de 5% a 15% do total. Para participar da modalidade de ocupação, os jovens devem ter assiduidade e boas notas na escola ou curso técnico e frequentar entidade profissionalizante uma vez por semana — trabalhando quatro dias semanalmente. A remuneração é proporcional ao número de horas, tendo como base o salário-mínimo.

A estudante do 1° semestre de direito no Centro Universitário de Brasília (UniCeub) Marianne Figueiredo, 18 anos, começou como jovem aprendiz no conglomerado de empresas Bancorbrás em 2016, quando cursava o 2° ano do ensino médio no Colégio Notre Dame. “Pensei no que faria quando terminasse a escola e comecei a ir atrás de uma oportunidade para poder ter experiência”, relembra. Lá, passou pelo setor de arquivo e, atualmente, atua na parte de seguros. Uma vantagem foi o acompanhamento psicológico oferecido pela empresa e pela entidade que frequenta, o CIEE, que a ajudou a decidir qual profissão seguir. “Eu me senti mais livre para ir atrás do que queria em vez de só esperar as coisas caírem nas minhas mãos.” Agora, ela se prepara para encerrar o contrato com a empresa, em junho, e galgar outra oportunidade no mercado. Para se diferenciar, aproveitou toda oportunidade de participar de cursos e palestras dentro da escola. “Não adianta ir para o ensino superior sem ter feito nada antes, porque vai ser eu e mais uns quinhentos concorrendo a vagas, então essa experiência é um diferencial”, afirma.

Depois de ter sido aprendiz na Bancorbrás, Suellen Pereira, 21, acabou sendo efetivada. Ela entrou na companhia em 2013, quando estudava no Centro de Ensino Médio 2 do Gama. “É complicado conseguir trabalho se você não tiver nenhuma experiência profissional. Quando entrei como aprendiz, tive certeza de estar à frente de muitos jovens”, conta. Atualmente cursando nutrição na Universidade Paulista (Unip), ela se empolga ao relembrar o momento da descoberta de que continuaria na empresa com o término do contrato de dois anos. “Eu estava procurando estágio e minha gestora perguntou se eu me interessaria por continuar como auxiliar administrativo no Instituto. Fiquei emocionada. Recebi uma oportunidade aos 17 anos.” Hoje, Suellen atua no Instituto Bancorbrás com projetos voltados para universitários, mesmo setor em que foi aprendiz.

Gerente de RH da empresa, Flávia Oliveira garante que as vantagens de trabalhar com esses jovens são imensas. “São pessoas que não têm vícios, são lapidadas de acordo com os nossos ensinamentos. 

Como estão na escola, trazem muitas novidades, existe uma troca muito bacana.” No início, trabalhar com os adolescentes era difícil, mas hoje todas as áreas querem um. “Na minha visão, muitas empresas não cumprem a lei por falta de conhecimento, não entendem os benefícios do programa. Inicialmente, nós também vimos a lei como obrigação, porque não sabíamos como lidar com os jovens”, afirma. Para ela, apesar de a legislação ser muito positiva, alguns pontos poderiam ser revistos. “A obrigatoriedade é um deles: é preciso trabalhar a conscientização e não a imposição. A cota deveria ser recalculada, porque, muitas vezes, a empresa não tem espaço físico para alocar os aprendizes. O fato de as pessoas precisarem ir para a entidade profissionalizante uma vez por semana também dificulta muito.”

Vantagens
Jovens aprendizes têm anotação na carteira de trabalho e direitos previdenciários, além de férias remuneradas, 13° salário, FGTS, vale-transporte e salário mínimo/horas. A jornada de trabalho é de no máximo seis horas diárias para os que ainda não concluíram o ensino fundamental e de oito horas para o restante.

Ações
Na última semana, o Fórum Nacional de Aprendizagem Profissional (Fnap) do Ministério do Trabalho reuniu diversas entidades para discutir o tema. No evento, foi aprovado o Plano Nacional de Aprendizagem Profissional (Pnap), que prevê ações como a criação de uma lei que torne obrigatória a contratação de aprendizes por órgãos públicos; priorização de adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social; e a sensibilização do empresariado por meio de seminários, reuniões e campanhas. O texto agora precisa passar pelo trâmite do Ministério do Trabalho para ser publicado.

Penalidades
Empresas que descumprirem as cotas de contratação de aprendizes estão sujeitas a multas; relatórios ao Ministério Público do Trabalho (MPT); formalização de termo de ajuste de conduta; instauração de inquérito administrativo e/ou ajuizamento de ação civil pública; encaminhamento de relatórios ao Ministério Público Estadual/Promotoria da Infância e da Juventude para as providências legais; e anulação do contrato de aprendizagem, com caracterização da relação de emprego com aquele empregador.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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