Enquanto parte do Brasil ajusta os ponteiros para o horário de verão, Edemira Colodetti, de 70 anos, nem esquenta a cabeça. É que na casa da aposentada as horas não andam para frente ou para trás só por causa de uma decisão do governo brasileiro. “O horário de verão é inventado pelo homem. Eu sigo o horário de Deus, da natureza.”
Desde que o horário de verão passou a ser adotado anualmente, em 1985, Edemira se rebelou contra a convenção e, na casa onde mora com o marido Jandyr Bellon, de 77 anos, de janeiro a janeiro os relógios seguem o tique-taque normal. Assim, viverão, a partir da meia-noite deste sábado, 14, com fuso de uma hora em relação a metade do Brasil, incluindo os vizinhos da pequena localidade de Aracê, de pouco mais de 7 mil habitantes, que pertence ao município de Domingos Martins, no sul do Espírito Santo.
“Nunca coloquei no horário de verão. Às vezes, as visitas vêm e falam: “peraí, mas ainda é esse horário? Aí eu já oriento que meu relógio está uma hora atrasado”, diz ela. “E eles almoçam no horário da gente”, conta Edemira, que ainda prepara a comida – os vegetais que ela mesma colhe no quintal – no antigo fogão à lenha.
A verdade é que, mesmo se ajustassem os ponteiros, Edemira e Jandyr ainda assim viveriam em outro tempo, que, de tão raro, os moradores das capitais têm até dificuldade de imaginar. Aposentado, Jandyr acorda às 3 e meia e até as 10 horas já está almoçando. Janta às 4 e meia da tarde e dorme com as galinhas. “Se meu marido já janta cedo, no horário de verão ele vai jantar às 15 horas? Aí é muito.”
Para Edemira, até os animais ficam confusos com as modernidades. “Antes, o galo só cantava às 2 horas da manhã. Agora, canta a qualquer hora, porque é tanta lâmpada acesa”, reclama ela, que, apesar de gostar da vida simples na roça, já se rendeu ao WhatsApp e estica o dia para dormir só depois das 9 da noite.
Embora não mexa nos relógios da casa, o casal faz, de vez em quando, algumas conversões para não perder compromissos importantes. Como quando querem assistir a uma programação na TV ou se têm consulta médica e viagem planejada com os filhos. “A gente sabe que a missa vai ser uma hora mais cedo. Não somos bobos, não”, avisa ela, que não se diz contra nem a favor da mudança. “Se é para fazer economia, tudo bem. Só não sigo”, diz, em meio a risadas.
Ajuste. Quem também tenta driblar o horário de verão é a professora Rebeca Amaral, de 35 anos. Para ela, a mudança é injusta para quem já organizou a rotina ao longo do ano. Por isso, Rebeca poupa os filhos Davi, de 5 anos, e Luísa, de apenas 1, do relógio adiantado. “Se para mim já é difícil, imagina para as crianças?”, questiona ela, que mora em Brasília.
Para não mexer na organização dos pequenos, Rebeca vai deixar, a partir deste sábado, que eles sigam os mesmos horários a que se habituaram ao longo do ano até, aos poucos, acabarem se ajustando à nova convenção. “Se ele (Davi) dormia às 10, agora vai dormir às 11”, diz. “Não vamos forçar. Não acho justo mudar o relógio biológico da criança.”
Quem também se sente um peixe fora d’água com o novo horário é o funcionário público Anderson Gonçalves, de 40 anos, que acorda todos os dias por volta de 4 horas da manhã para se deslocar da zona leste de São Paulo à zona oeste para trabalhar. “Nunca me acostumo. Meu relógio biológico estava cronometradinho”, diz ele que faz até festa nas redes sociais quando a mudança chega ao fim, em fevereiro.
De opinião oposta, a administradora Carla Fazanelli é do time dos adoradores do horário de verão. “Gosto porque anoitece mais tarde, dá a impressão de que o dia está mais comprido”, diz ela que criou uma página no Facebook sobre o assunto para dividir o amor que sente pela mudança anual. “Fiquei sabendo que o governo queria acabar com o horário de verão, mas eu tinha certeza de que essa ideia não vingaria. Nem me abalei. A grande maioria gosta.”
Para todos, o horário de verão começa à meia-noite deste sábado, 14. A população dos Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste deverá adiantar os relógios em uma hora. Já os Estados das regiões Norte e Nordeste não participam do horário de verão, que terminará no dia 15 de fevereiro de 2018.
Fonte: Estadão Conteúdo
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