As oito travestis presas na Operação Império, na terça-feira, chegaram ontem ao Complexo Penitenciário da Papuda. A transferência do grupo acusado de tráfico de pessoas levantou uma polêmica. Nenhuma das detidas se identifica com o gênero masculino e, mesmo assim, estão em prisão preventiva em local destinado a homens. Apenas detentas com registro feminino — transexuais ou não — podem cumprir pena na Penitenciária Feminina do DF (Colmeia).
Por isso, ativistas dos direitos das travestis e de pessoas transexuais ainda não estão satisfeitos com as novas diretrizes para o tratamento de detentas nessa situação. Na quinta-feira, o subsecretário da Subsecretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal (Sesipe), Osmar Mendonça de Souza, determinou uma série de mudanças no tratamento de pessoas trans. Agora, presas desse grupo não precisam ter o cabelo cortado e podem vestir sutiãs modelo top na carceragem. Além disso, a Sesipe obrigará servidores a tratarem travestis pelo nome social, não mais pelo nome masculino.
Porém, a presidente da União Libertária de Travestis e Mulheres Transexuais (Ultra), Taya Carneiro, denuncia que a ida de travestis a presídios masculinos ainda expõe o grupo à violência. Com o tratamento hormonal interrompido durante o cumprimento da pena, a prisão interrompe o processo de redesignação de gênero. “Os traumas de voltar atrás da identidade são tão terríveis que muitas não conseguem voltar a se reafirmar”, descreve Taya.
Para Michel Platini, presidente da Conselho Distrital de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (CDPDDH), a ordem de serviço insiste em delegar às entidades de segurança pública o papel de definir quem é ou não travesti ou transexual. “Essa definição de identidade de gênero é individual. Não compete aos órgãos decidir”, comenta. Entretanto, Platini vê algum avanço nas novas diretrizes. “Não precisar raspar o cabelo e ser reconhecida pelo nome social já representa uma conquista importante”, avalia.
O conselho compareceu ontem à Papuda pela manhã, pouco antes da chegada dos 10 acusados de aliciarem travestis no Distrito Federal. Ao Correio, a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin) informou que “garantiu o respeito às identidades de gênero das detentas em todo o momento” e que “tenta comover o sistema penitenciário a respeitar a população LGBT”.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública e da Paz Social (SSP), há 20 detentas identificadas como travestis nas seis unidades prisionais no DF. Em nota, a pasta informou que as oito presas durante a Operação Império estão em ala separada no Centro de Detenção Provisória (CDP) da Papuda, onde ficam “custodiados que possuem algum tipo de dificuldade de locomoção”. Além disso, a SSP afirmou que o encontro entre homens e travestis na Papuda somente ocorre em banhos de sol, e, ainda assim, “com acompanhamento constante das equipes de agentes prisionais”.
Identidades
A diferença entre os conceitos de travesti e transexual não é ponto pacífico entre entidades de defesa de direitos LGBT e instituições jurídicas. Para Lucci Laporta, ativista trans do coletivo Juntas, as duas identidades de gênero devem ser autodeterminadas — ou seja, depende de como a pessoa se declara. “O conceito de travestilidade ultrapassa o binarismo masculino-feminino. A transexual, por outro lado, se reconhece como mulher trans”, distingue.
Ainda assim, Laporta crê que tanto detentas travestis quanto transexuais deveriam permanecer em presídios femininos para evitar estupros e outras agressões. “E sem separação de celas para as mulheres. Caso haja garantia de segurança, o convívio entre as detentas ajuda na recuperação”, acrescenta a ativista.
O especialista em segurança pública George Felipe de Lima Dantas concorda. “O ambiente prisional deve emular a vida do lado de fora das celas”, crê. Entretanto, Dantas teme que a autodeclaração possa levar a fraudes. “Assim como há registro de pessoas que fraudaram o sistema de cotas em universidades, há quem possa se aproveitar dessa política”, pondera.
Memória
Cafetinas traficavam travestis
Ao menos 50 prostitutas eram vítimas da organização criminosa desarticulada na terça-feira pela Polícia Civil. Na Operação Império, a Decrin prendeu 10 pessoas suspeitas de integrarem o grupo — oito delas também travestis. A relação entre as cafetinas e as garotas de programa era marcada pela violência e exploração. As donas dos cinco abrigos localizados pela polícia ameaçavam as vítimas com facas e pistolas .38. Além disso, uma das líderes obrigava algumas das travestis a aplicarem silicone industrial no corpo, procedimento de altíssimo risco à saúde. A Polícia também apontou relação do grupo com a morte da travesti Ágatha Lios, 22 anos, em janeiro. Ela era aliciada por uma das suspeitas. Quatro rivais, lideradas pela mesma organização, esfaquearam a vítima em uma central de distribuição dos Correios, em Taguatinga Sul.
Política cultural LGBTI
A nova política cultural LGBTI, lançada ontem pelo GDF, estimulará as manifestações do grupo. O objetivo da medida é criar um comitê técnico para iniciar estudos voltados à preservação da memória cultural, bem como identificar e cadastrar movimentos LGBTI espalhados pelo Distrito Federal. Os trabalhos são vinculados à Subsecretaria de Cidadania e Diversidade, da Secretaria de Cultura. A expectativa da pasta é desenvolver políticas públicas voltadas exclusivamente ao grupo, a partir dos dados e informações levantados com os estudos.
Fonte Correio Braziliense
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