Um médico é suspeito de integrar uma organização criminosa especializada no mercado da morte. Com referência à mitologia grega, para a polícia, ele seria o próprio Caronte, o “barqueiro dos mortos”, viabilizando documentos para que, diante da dor da perda, famílias fossem ludibriadas. Velho conhecido no Distrito Federal, Agamenon Martins Borges já se arriscou em hospitais, no Direito e na política. Ele foi preso nessa quinta-feira (26).
Grupos criminosos ligados ao ramo de serviços funerários de Taguatinga e Samambaia (Pioneira, Universal e Santa Cruz) atuavam interceptando o rádio da polícia atrás de mortes naturais. Com dados das famílias, chegavam antes do IML, se passavam por agentes públicos e ofereciam o serviço. Segundo investigadores, criminosos afirmavam que o processo seria mais rápido e “menos doloroso”.
Assim, conseguiam convencê-las a cancelar a solicitação do Rabecão, o serviço de recolhimento do IML. Em outra frente, informantes em hospitais davam notícia dos óbitos. Nove foram presos pela Corregedoria-Geral da PCDF, com apoio do Ministério Público.
Era função do médico Agamenon Martins Borges fornecer o atestado de óbito. “Muitas vezes eram falsos, sem sequer o exame presencial obrigatório, segundo o código de ética médica”, revela o delegado. Cada atestado de óbito custava R$ 500.
O ciclo se encerrava com as funerárias, que retornavam para as famílias e confirmavam a informação. “Aproveitando um momento de luto e fragilidade, ofereciam o serviço superfaturado e ilegal”, contou o delegado Marcelo Zago, da Corregedoria da PCDF.
Os valores dependiam do nível econômico das vítimas: de R$ 1,4 mil a R$ 8 mil pelo pacote completo. As investigações duraram cerca de um ano e a estimativa é de que centenas de pessoas tenham sido vítimas.
Histórico
O médico Agamenon já prestou serviços ao IML e foi demitido da instituição nos anos 1990, por motivos não informados pela Polícia Civil. No ramo da Medicina, foi dono de uma clínica em Sobradinho, aberta em 1996, médico sanitarista no Hospital Regional do Guará e passou em concurso do Hospital das Forças Armadas em 2009.
Formado também em Direito, Borges tem registro ativo na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB- DF). Em 1994, registrou-se como candidato a deputado distrital pelo PSDB na chapa que tentou eleger Maria de Lourdes Abadia. Na legenda, também atuou como membro-titular do Conselho de Ética e Disciplina. Em 2002, prestou concurso para juiz substituto do Tribunal de Justiça do DF. Nos governos Roriz e Abadia, em 2006, atuou como administrador regional do Paranoá. Ele ainda responde a um inquérito por homicídio.
Ação em várias empresas
Hoje, segundo a PCDF, ele tem uma clínica particular em Formosa (GO) e atende em uma unidade pública de Céu Azul (GO). Embora filiado de forma mais habitual a uma das funerárias, o médico estava disponível para outras empresas, que o procuravam para o serviço. Havia até terceirização da função a seu sobrinho e assistente. A atuação, então, se estende a empresas não investigadas na operação.
Atuação em Ceilândia
Em Ceilândia, conforme licença emitida em junho deste ano pela Vigilância Sanitária, Agamenon Martins Borges é o médico legista da Tanatos Brasília. Ao JBr., Maria Ivanilde, dona do estabelecimento que prepara corpos para sepultamentos, afirmou ter recebido a notícia da prisão de forma inesperada e negou conhecimento de atos ilícitos. “Se é legista e atua, ele teve permissão do conselho. Não tenho a ver com o que ele fez de errado. Embora assine pela clínica, fui pega de surpresa”, argumenta.
Ela diz que a clínica não trabalha com nenhuma das funerárias citadas na investigação. No local, funcionários informaram que ele vai uma vez por semana “assinar termos”, mas garantiram que ele nunca emitiu atestado de óbito.
Segundo a Comissão de Assuntos Funerários da Secretaria de Justiça e Cidadania, quando a morte acontece em casa é preciso um médico para atestar o óbito. Caso contrário, o corpo é levado ao IML. Ali, a família terá acesso ao documento para ir a um cartório de registro, que fará a emissão do atestado de óbito e guia de sepultamento.
Após isso, é preciso contratar uma funerária para os serviços de preparação para o velório, enterro ou cremação. Ao mesmo tempo, a família deve procurar a empresa concessionária dos cemitérios do DF para a contratação dos jazigos e locação da capela de velório.
A pessoa precisa ter o atestado de óbito e a guia de sepultamento para o serviço ser realizado. A partir de 3 de novembro será necessária a entrega de declaração de sepultamento por parte das funerárias.
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