No auge dos 17 anos, Pedro* convive com o peso do crime. Aos 13, já sabia como segurar uma arma e conhecia os procedimentos para traficar drogas. Filho de um pedreiro e de uma gari, pensou que o mundo do crime lhe daria o que mais desejava: fama, riqueza e mulheres. Morador de Planaltina, o jovem passava dia e noite com um dos grupos de gangues em guerra. Nem se lembra quantas pessoas matou em conflitos.
Há quatro meses, ele está internado no Núcleo de Ensino da Unidade de Internação de Planaltina (UIP). Mesmo com as mãos para trás, cabeça baixa e acompanhado de um agente, Pedro sonha em mudar de vida. “Tudo o que fiz deixava meus pais em pânico. Eles até acham bom de eu ficar aqui. Quero casar, ter filhos, fazer faculdade. Ser alguém”, afirma.
A primeira oportunidade de mudança veio em setembro. Ele estava na lista de convocados para participar do filme Mais direitos, menos grades, da cineasta pernambucana Núbia Santana, lançado na manhã desta segunda-feira (9/10), no auditório da UIP. Além do adolescente, a produção contou com mais três estudantes em cumprimento de medida socioeducativa e 12 professores da unidade. Na parte técnica, seis pessoas fizeram o auxílio de vídeo e foto.
O filme faz parte do Projeto Nota 10, que, há 11 anos, objetiva fazer com que alunos deixem o crime para se dedicar ao aprendizado do teatro, do cinema, da dança e da música por todo o Distrito Federal. Representantes da Regional de Ensino de Planaltina, secretarias de Educação e da Criança e Conselho Tutelar estavam presentes na exibição do film, que vai concorrer a um prêmio da Defensoria Pública da União (DPU) que concederá R$ 10 mil ao vencedor.
Cinthia Monteiro, supervisora da escola e representante da Secretaria de Educação, disse, em discurso, que entende a dificuldade dos meninos não só frente às câmeras, mas de lidar com pessoas. “São crianças que a sociedade praticamente negou. Chegam receosos. Esse filme é a concretização de mais um trabalho ímpar para nós e para eles”, contou, emocionada.
A cineasta e autora do projeto, Núbia Santana, disse que, durante quatro semanas de trabalho, conseguiu enxergar no olhar dos meninos o sinal de esperança por meio do Nota 10. E que essa é a melhor recompensa. “Fiz tudo com muito amor. Se eu conseguir mudar um pouco a vida dessas crianças, já estou no lucro. Espero conseguir apoio em outros projetos com a UIP”, opina.
Hollywood
No chão do auditório, um tapete vermelho estendido. Naquele momento, os quatro jovens protagonistas do filme não eram mais detentos. Ao serem chamados pela supervisora da escola, Cinthia Monteiro, as mãos não precisavam mais ficar cruzadas para trás. A cabeça baixa deu lugar ao sorriso de satisfação. Cerca de 30 dos 98 adolescentes internados na unidade estavam na plateia. As mãos dos jovens que iam ao rosto de vez em quando para limpar as lágrimas deixavam nítida a sensação de orgulho pelo trabalho dos colegas.
O enredo de Mais direitos, menos grades tratava da vida desses meninos. Na história, um adolescente, com o rosto pintado, tinha de escolher entre dois caminhos. Ele só sabia como a vida começaria, mas não como acabaria. No caminho da direita, havia placas com frases que simbolizam a falta de assistência social para população mais carente, resultando na migração ao crime. Do outro, moldes que sinalizavam a ajuda social, como o acesso à educação e saúde, além da abertura de oportunidades.
No meio da história, os 12 professores da unidade estavam em uma roda de debate. Falaram de socialização, acolhimento, cuidado e atenção com adolescentes infratores. Os outros três personagens, também com os rostos pintados, relataram os prejuízos do crime.
A professora Raissa Matos, 33, que auxilia nas oficinas artísticas, diz que fez o filme por acreditar na mudança dos alunos. “É um trabalho diário. A gente precisa conquistar a confiança dos meninos, pois eles não confiam nas pessoas. O tempo todo é preciso pensar e repensar em projetos”, conta.
Para Irandiaya do Vale, diretora da UIP, a noção de liberdade dos internos, mesmo fora do local, é reprimida. “O filme retrata os pontos falhos da sociedade. Se esses meninos estão aqui, é sinal de que todo o sistema não deu conta. Só com educação de qualidade que essa realidade pode mudar para melhor”, opina. Ela também afirma que o principal trabalho na unidade é resgatar a autoestima perdida ou nunca alcançada dos adolescentes. “Esses meninos não sabem o que é carinho. Mas, aqui, existem profissionais que os reconhecem. E eles sabem disso”, afirma.
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