Classificada pela triagem da unidade como paciente “verde”, sem necessidade emergencial, Tânia foi uma das cerca de 20 pessoas que passaram a manhã na UPA e não puderam ver um médico. Pouco antes das 13h, uma funcionária informou que não havia profissionais de clínica geral à disposição e não existia previsão para atendimento.
“Desde ontem (quinta-feira) não consigo trabalhar. Só levantei da cama para vir aqui. Estou com muita dor, pelo amor de Deus”, queixou-se a mulher. Sua indignação se deveu especialmente à demora em avisar sobre a falta de médicos. “Se tivessem falado logo, eu nem teria perdido meu tempo e teria procurado um hospital.”
Caso parecido com o de Gerson Ferreira dos Santos, representante comercial de 56 anos, que perdeu um dia de trabalho para estar lá. “Me senti expulso. Minha junta do braço direito está doendo há vários dias (sic)”, reclamou. Segundo ele, quando chegou à UPA as atendentes informaram que poderia haver demora, pois apenas dois médicos estariam à disposição, mas antes das 13h a situação mudou.
“Disseram que só um médico estava lá e mandaram procurar o Hospital de Taguatinga, pois lá existe ortopedia. É muita falta de respeito”, esbravejou. Cerca de dez minutos após a reportagem do JBr. conversar com Gerson, os funcionários da unidade disseram que nenhum paciente classificado como “verde” seria atendido à tarde.
Questionada, a Secretaria de Saúde do DF condenou a atitude da funcionária da UPA que “dispensou” os pacientes e confirmou a demora no atendimento, mas devido à demanda. Segundo a pasta, os oito leitos de internação estavam ocupados ontem com pacientes graves, algo incomum, e que três clínicos gerais deveriam trabalhar pela manhã e dois à tarde.
Busca de alternativas
O cenário encontrado pela reportagem e relatado pelos cidadãos não atendidos, porém, foi outro. A diarista Marinez Araújo, 31 anos, disse ter chegado por volta das 9h com dor de cabeça e febre. “Informaram que teria dois médicos e depois só um. Vou tentar a UPA do Núcleo Bandeirante agora.” Nem pacientes considerados prioritários foram atendidos. Grávida de quatro meses, Gislaine Kellem, vendedora de 22 anos, alegou ter esperado desde as 10h e, após saber que faltava médico, decidiu procurar outra unidade da rede pública. “Caí e estou toda dolorida. O jeito é procurar o (Hospital) Regional de Samambaia.”
Socorro conseguido na marra
A gestora pública Kerica Cruz, de 24 anos, tinha planos diferentes para a tarde de sexta-feira. Ela deveria dar entrada em papéis de um imóvel e resolver uma série de trâmites burocráticos. Mas não foi possível. Seu primo, Luigi Felipe, de 18 anos, passou mal durante o almoço e ela precisou ajudar a socorrê-lo e levá-lo à unidade de saúde mais próxima, no caso, a UPA de Samambaia.
“Ele teve convulsão e desmaiou. Fico desesperada porque a mãe dele morreu de aneurisma”, disse, enquanto ajudava a conduzir o parente a uma cadeira de rodas. Ao ser informada sobre a falta de profissionais, por volta das 13h30, discutiu com os funcionários do lugar. Recusou a tentativa das atendentes de fazer triagem com o primo e praticamente o “empurrou” para um dos leitos.
“Falaram para ele esperar, mas ele está em estado grave, não estão vendo?”, desesperou-se. Poucos minutos após a cena, que envolveu pequena indisposição com dois seguranças da UPA, Kerica informou que um outro clínico geral teria saído de uma salinha e se disposto a realizar o atendimento. “Vai ter médico, sim!”, gritou aos outros pacientes, que aguardavam na sala de espera.
Alguns minutos depois, porém, mais um problema surgiu: Luigi Felipe teria de ser transferido para o Hospital de Base para fazer uma bateria de exames. A primeira informação foi de que não haveria ambulância para levar o rapaz. Após novo escarcéu de Kerica, um transporte foi colocado à disposição e o jovem entrou no carro. “Muita gente morre porque não sabe pedir socorro”, desabafou.
Intervenção
Essa UPA já sofreu intervenção do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM/DF), em 13 de fevereiro de 2012. À época, a chamada interdição ética teve colaboração de denúncias do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico-DF).
Revolta generalizada
Diante do que consideram como um descaso com os cidadãos, muitas pessoas se irritam com a falta de atendimento, alegadamente pela ausência de médicos, e o desrespeito com que são tratadas. Eles têm de passar horas aguardando e, sem informações adequadas e fornecidas a tempo de puderem adotar outras providências, acabam obrigados a se dirigir a outras unidades da rede pública. Muitas vezes, o socorro só é obtido depois de discussões ríspidas com funcionários.
Insalubridade no prédio
“Os problemas vão desde as escalas de plantão incompletas, que prejudicam o atendimento e provocam a revolta da população, a problemas de estrutura, como a absoluta inexistência de janelas, o que aumenta a insalubridade do prédio”, apontou o Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico-DF), em nota, no mesmo dia do fechamento da unidade.
Três dias depois a UPA foi reaberta porque a Secretaria de Saúde contratou 11 clínicos gerais e seis pediatras que, quando não necessários em Samambaia, poderiam auxiliar os atendimentos no pronto-socorro de Ceilândia. À época, a Diretoria de Vigilância Sanitária e Ambiental (Divisa) se comprometeu a também fiscalizar e cobrar as reformas na estrutura física, mas, aparentemente, isso não ocorreu.
Mais de um ano após a interdição, relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), relativo à auditoria feita entre entre julho e agosto de 2013, apontou os mesmos problemas estruturais, como janelas e rodapés quebrados, falta de circulação de ar e qualidade ruim dos pisos. As irregularidades também teriam sido constatadas na UPA do Núcleo Bandeirante.
O TCU disse que a Secretaria de Saúde do DF, o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foram informados sobre os problemas e os dois primeiros enviaram respostas, que ainda não teriam sido “formalmente analisadas”. Nova auditoria, sem data marcada, deve ser feita para constatar as mudanças. Mas o GDF não deverá arcar com possíveis sanções pois, segundo a pasta da Saúde, “os problemas apresentados não ferem a legislação”.
Versão oficial
Quanto à falta de médicos de ontem, a Secretaria de Saúde alegou que deveria haver três clínicos gerais e dois pediatras na parte da manhã e dois clínicos gerais e um pediatra na parte da tarde. Já sobre a correção de irregularidades tanto na UPA de Samambaia quanto na do Núcleo Bandeirante, a pasta informou que “foi aberto um processo de licitação, ainda em andamento, para contratar uma empresa especializada”. A Secretaria ainda ressaltou que “as UPAs foram construídas no governo passado com irregularidades que serão solucionadas pela empresa vencedora da licitação, sem prejudicar o atendimento ao usuário do Sistema Único de Saúde (SUS)”
Saiba mais
Somadas, as Unidades de Pronto Atendimento (UPA) de Samambaia e Núcleo Bandeirante custaram R$ 6 milhões, de acordo com o relatório do TCU.
O relatório também apontou “vícios construtivos detectados após a entrega definitiva das obras, a exemplo da ocorrência de: rodapés quebrados; painéis metálicos amassados; e janelas quebradas nas Unidades de Pronto Atendimento de Samambaia/DF e Núcleo Bandeirante/DF, bem como afundamento de piso; e corrosão da base da barra de apoio dos banheiros e das cantoneiras externas da Unidade de Pronto Atendimento de Samambaia/DF, que caracterizaram deficiência de qualidade no empreendimento, afrontando o art. 66 da Lei 8.666/1993”.
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