Camila (nome fictício) se tornou uma sobrevivente em 17 de abril deste ano. Era uma segunda-feira quando ela recebeu um telefonema no trabalho, por volta das 9h, avisando que a irmã, Gabriela (nome fictício), 29, a mais nova de seis, havia se matado com um tiro na boca, utilizando a arma do marido policial.
Camila se desesperou: “Eu não queria que tivessem me avisado daquele jeito. Meu chefe teve que me levar em casa porque eu não conseguia pensar. Foi um choque”. Para ela, o caminho do trabalho, na Esplanada, até o sobrado em que todos moravam, em Taguatinga, nunca foi tão grande e doloroso.
Quando chegou, encontrou o pai com o sangue da irmã passado no peito e aos gritos, perguntando o porquê de ela ter feito aquilo. Ninguém tem essa resposta.
Não havia mais tempo para nada. As despedidas e abraços ficaram apenas nas últimas lembranças. Camila lembra da irmã como uma menina bonita e vaidosa, calada e dedicada aos estudos com o objetivo de passar em algum concurso público. A jovem não falava muito da vida pessoal e nunca reclamava de nada. Para a irmã, Gabriela estava “presa nela mesma, e, quando se guarda muito, o coração não aguenta”.
Apesar de se perguntar o porquê de não ter conversado mais com a irmã falecida, Camila afirma que, depois do fato, a família se uniu e está mais comunicativa. A mulher entende que a melhor forma de evitar que mais casos como este ocorram é falar a respeito. “É preciso que os pais conversem e orientem seus filhos”, completa. Porém, uma das coisas que a incomoda é a forma preconceituosa com que muitos enxergam o suicídio.
Vergonha
O psiquiatra e professor da Universidade de Brasília (UnB) Rafael Boechat confirma que o preconceito em torno do assunto existe e, por isso, muitos sentem vergonha de falar sobre isso, tornando um tabu. Mesmo assim, ele lembra que o problema é muito mais comum que se pensa. Para o psiquiatra, é importante que a família procure auxílio após o suicídio de um familiar, pois não é fácil viver como um sobrevivente. Na tentativa de obter respostas, a culpa torna-se muito grande.
Ele explica que os motivos que levam uma pessoa a cometer suicídio são vários, desde depressão – o mais comum – uso de drogas ou problemas externos com resolução complicada. Boechat analisa que os sobreviventes – familiares ou aqueles que tentaram o ato, mas sobreviveram – não seguem uma regra de como levar a vida. Se tiverem o apoio certo, têm sucesso em lidar de forma diferente com os problemas, até mesmo com remédios, se necessário.
Apesar de tudo, sempre é possível seguir em frente
Se Joelma Lopes, 32, hoje sorri com tranquilidade é porque ela sabe que, apesar das dificuldades diárias e do passado conflituoso, é possível seguir em frente. Porém, não era assim que ela pensava até os 25 anos, quando tentou se matar tomando remédios e bebida alcoólica juntos. Era 2010, no feriado de 12 de outubro. No fim da tarde, após brigar com a família e avisar que se mataria, ela tomou uma das atitudes mais drásticas de sua vida. Joelma passou dois dias em uma cama sem conseguir se mover direito.
A jovem afirma que a vida era complicada. Aos oito anos ela perdeu a mãe. Um ano depois, o pai teve o mesmo destino. Ela, então, passou a morar com irmãos. Em uma dessas casas, foi abusada sexualmente. Joelma só entendeu o que passou – entre 9 e 10 anos – em uma aula de ciências.
“O primeiro passo foi entender que eu não tinha culpa. Era a culpa que me afundava e me levava ao suicídio”, lamenta. A virada veio após procurar ajuda médica, pois “ninguém consegue nada sozinho”, e prometer que nunca mais faria aquilo. Hoje, ela cursa Pedagogia e passou em um concurso público. O trabalho de término de curso será sobre o auxílio do professor no combate à pedofilia.
Para ela, a receita da nova vida é: “Concentre, pense e busque ajuda. Para mim, quem tenta o suicídio é uma pessoa forte, pois é uma decisão muito difícil, mas não deixa de ser um momento de fraqueza e uma decisão ruim. Tem que estudar, trabalhar e partilhar”.
FONTE: JORNAL DE BRASÍLIA
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